ESTAÇÃO BIOLÓGICA DE CARATINGA
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A área que hoje é chamada Reserva Particular do Particular do Património Natural Feliciano Miguel Abdala (RPPN-FMA) surgiu no meio científico com o clássico trabalho do Zoólogo Álvaro Aguirre sobre o mono ou muriqui, publicado em 1971. Mas somente no início da década de 1980, após a redescoberta do muriqui, Zoólogos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob a liderança de Célio Valle, iniciaram uma campanha para proteção e estudo científico nessa área. Na ocasião, primatólogos e conservacionistas como Russell A. Mittermeier, Adelmar F. Coimbra Filho e Ibsen G. Câmara juntaram-se à equipe da UFMG, num esforço conjunto para preservação e estudo da biota local. As investidas em busca do muriqui revelaram a presença de outro primata ameaçado de extinção, o sagui-da-cara-amarela, que até então acreditava-se restrito ao Estado do Espírito Santo.
Além da presença do muriqui e do sagui-da-cara-amarela, os pesquisadores observaram que a área tinha uma alta densidade populacional do barbado ou bugio-ruivo e do macaco-prego, e perceberam ali uma área de grande potencial para o desenvolvimento de estudos primatológicos. Com o apoio do proprietário da Fazenda, Feliciano Miguel Abdala, da UFMG, do WWF - World Wildlife Fund e da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza, foi criada a Estação Biológica de Caratinga (EBC), inaugurada em maio de 1983. Naquele mesmo ano, o muriqui foi o símbolo do Congresso Brasileiro de Zoologia, realizado em Belo Horizonte, e as novas descobertas sobre Caratinga foram amplamente divulgadas neste evento.
A família Abdala sempre recebeu bem os cientistas e conservacionistas brasileiros e estrangeiros.Nos primeiros anos, os pesquisadores passavam os dias na floresta e a noite em acomodações oferecidas pelo Sr. Feliciano Abdala. Entretanto, ele reconheia que o trabalho de campo era árduo e procurou facilitar ainda mais o trabalho dos pesquisadores, doando uma casa com mais fácil acesso à mata. A inauguração da Estação Biológica, representou um grande avanço, ao fornecer uma infraestrutura essencial para estudos de longo prazo, como, por exemplo, o projeto muriqui.
O estabelecimento da EBC envolveu a reforma da pequena casa de colono doada pelo Sr. Feliciano, que passou a ser tratada de laboratório de campo e teve a função de abrigar os diversos pesquisadores e estudantes que, a partir de então, começaram a frequentar a área. Não demorou para que o potencial científico da EBC ganhasse fama internacional, atraindo cientistas de diversos instituições, principalmente interessados em primatologia.
No ano de 2001, por iniciativa da família e com apoio de cientistas e conservacionistas, a EBC foi declarada pelo IBAMA Reserva Particular doPatrimónio Natural, passando a se chamar RPPN Feliciano Miguel Abdala, consolidando os esforços iniciados há mais de 30 anos por Álvaro Aguirre. A importância da RPPN vai além do santuário que ela representa para os muriquis e para outros elementos da flora e fauna endémicos da Mata Atlântica, ao simbolizar a consolidação de esforços científicos de longo prazo. Os estudos têm abrangido tanto o reino animal quanto vegetal, confirmando a presença de uma diversidade única de formas de vida, muitas das quais restritas a escassas localidades da Mata Atlântica. De anfíbios a aves, de moluscos a insetos, de musgos a grandes árvores, o inventário de espécies na RPPN-FMA continuará crescendo, na medida em que forem iniciados novos esforços de pesquisa para documentar sua diversidade.
Principalmente com os estudos de longo prazo sobre a ecologia e comportamento dos primatas da Mata Atlântica. Os primeiros estudos de longo prazo sobre o sagui-da-cara-amarela, sobre o barbado e sobre o muriqui-do-norte foram iniciados aqui no início da década de 1980. Apesar da importância destes primatas por serem ameaçados e endémicos da Mata Atlântica, seu comportamento e ecologia eram previamente desconhecidos, como da maioria das espécies que habitam esta mata. Célio Valle e seus estudantes foram os primeiros a levar a floresta e seus primatas ao domínio público, mas a lista dos pesquisadores que os seguiram é agora muito grande para ser citada. Desde o trabalho de Aguirre, foram 22 projetos de pesquisa independentes, quatro monografias de Graduação, 24 dissertações de Mestrado, 10 teses de Doutorado e um pós-Doutorado. A RPPN-FMA tem consolidado sua reputação internacional como um centro para pesquisa de campo.
O Projeto Muriqui de Caratinga, com mais de 40 anos de atuação, tem sido o "carro-chefe" das pesquisas na RPPN e o de mais longo prazo de sua natureza, representando o que pode ser alcançado quando os objeti-vos de cientistas e conservacionistas coincidem. As descobertas científicas sobre os muriquis incluem sua excepcionalmente pacífica vida social e sua habilidade para encontrar os alimentos de que necessitam numa mata que agora encontra-se oficialmente protegida. O monitoramento do notável sistema reprodutivo dos muriquis, revelou como pequenas populações podem se recuperar quando elas e suas matas estão protegidas, e tem ajudado no estímulo a novas iniciativas de pesquisa.
Como um centro de pesquisa de campo, além do seu apoio à ciência básica, a RPPN-FMA tem favorecido a cooperação internacional, além de oferecer um suporte para o treinamento de estudantes em ativi-dades de campo. Mais de 80 estudantes brasileiros foram treinados e muitos vieram a desenvolver projetos afins que contribuem para os esforços de conservação em outros locais. As colaborações internacionais de longo prazo, envolvendo treinamento de estudantes, não são tão comuns como se poderia pensar, e aquelas realizadas na RPPN-FMA tem tido sucesso por causa da comunhão de esforços a favor da pesquisa e conservação biológica.
A RPPN-FMA é também muito importante no contexto dos estudos da fragmentação de ecossistemas, um aspecto crucial em biologia da conservação. Por se tratar, praticamente, de uma ilha de Mata Atlântica de cerca de 1.000 ha, numa região fortemente devastada, as pesquisas nesta área tem sido de grande relevância para a compreensão dos efeitos da fragmentação sobre a biodiversidade. As pesquisas de longo prazo fornecem informações sobre a dinâmica das populações e ecossistemas, impossíveis de serem obtidas nos estudos de curto prazo que em geral são realizados em outras áreas.
As pesquisas na RPPN-FMA tem se adequado aos mais altos padrões de conduta ética científica, com a conservação da mata e seus habitantes representando a mais alta prioridade. O projeto muriqui já atingiu a maioridade e agora se estende para outras áreas da mata, englobando aspectos ecológicos como fenologia e produtividade primária, além do estudo da variabilidade genética da população com o uso de técnicas não invasivas. A entrada da RPPN no programa TEAM, da Conservation International, marca o início de uma nova etapa, que deverá agregar valor ao potencial científico dessa estação de pesquisa, através de estudos comparativos de longo prazo. As novas iniciativas reforçam o principal papel da pesquisa na RPPN-FMA, que continuará a refletir um esforço compartilhado para a conservação, e a contribuição que a ciência pode dar para garantir o futuro não só desta mata e de seus habitantes, mas também como um modelo a ser aplicado em outros.
Karen Strier